• BBC – 10 novembro 2016

Uma espécie de lago gigantesco foi descoberto na Bolívia – mas não é possível chegar até ele.

Isso porque o reservatório de água fica a 15 quilômetros de profundidade, embaixo do vulcão Uturuncu, nos Andes.

A água do lago está misturada com magma, massa mineral em estado de fusão que determina as erupções vulcânicas. Sua análise poderia ajudar a compreender por que e como as erupções acontecem.

O lago também poderia ser uma evidência de que a água da Terra não é proveniente de cometas ou asteroides – ela já estaria no interior do planeta desde sua formação.

Volume extraordinário

A descoberta foi realizada por Jon Blundy, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, e por cientistas franceses, alemães e canadenses enquanto estudavam uma estranha anomalia embaixo do vulcão Uturuncu.

Esse vulcão semiadormecido, que expele fumaça de forma ativa, tem mais de 6 mil metros de altura e fica no departamento de Potosí, no sul da Bolívia.

A anomalia pesquisada é um corpo de magma que, diferente do magma achado normalmente sob os vulcões, é capaz de conduzir eletricidade.

Estudando essa condutividade elétrica, os cientistas constataram o tamanho do reservatório de água: 1,5 milhão de quilômetros cúbicos – volume comparável ao do maior lago da América do Norte, o Superior.

Mil graus Celsius

A equipe de Blundy examinou rochas expelidas em uma erupção do Uturuncu há 500 mil anos. Elas foram misturadas com água e submetidas a condições similares às presentes a 15 quilômetros de profundidade.

Essas condições incluem uma pressão 30 mil vezes maior que a atmosférica e temperaturas superiores a 1 mil graus Celsius.

“Reproduzimos em laboratório o que acontece a grandes profundidades na Terra”, explicou Blundy.

Os pesquisadores determinaram a porcentagem de água em que a condutividade da rocha era a mesma que no magma abaixo do Uturuncu.

“Calculamos que a anomalia contém entre 8% e 10% de água”, afirmou.

Mas essa água não pode ser extraída.

“Ela está misturada com rocha parcialmente derretida a uma temperatura entre 950 e 1 mil graus Celsius, por isso não é acessível.”

Microcosmos

A água no magma pode ajudar a explicar a composição da crosta do planeta.

Essa água ajuda na formação de rochas como a andesina – que recebeu este nome por ser encontrada na região dos Andes. Isso ocorre quando o magma no manto terrestre, composto de basalto, sobe até a crosta.

A andesina é uma rocha ígnea vulcânica, e o magma andesítico é muito rico em água – embora ela se transforme em vapor durante a erupção.

“O processo no Uturuncu é um microcosmo da formação da crosta continental”, disse Blundy.

‘O pouco que sabemos’

Blundy e seus colegas ainda não sabem exatamente o papel da condutividade nas erupções.

Mas detectaram misteriosos casos similares de condutividade na zona vulcânica Taupo, na Nova Zelândia, e no Monte Santa Helena, no Estado de Washington, nos Estados Unidos.

É provável que a condutividade nesses casos também seja indício de reservatórios secretos como o do Uturuncu.

“O estudo nos faz lembrar o pouco que sabemos sobre a água na crosta e no manto terrestres”, disse Steve Jacobsen, da Universidade Northwestern, em Illinois.

De onde veio a água da Terra?

Jacobsen e sua equipe descobriram em 2014 um reservatório de água que corresponde a três vezes o volume do oceano, situado a 700 quilômetros de profundidade.

Essas descobertas são novos indícios de que há grandes quantidades de água no interior da Terra – e que podem ter dado origem aos oceanos.

E é possível que a água que torna o planeta habitável já estivesse presente na nuvem de pó que se condensou para formar o planeta. Assim, ela não teria chegado à Terra em cometas ou asteroides com gelo, como apontam algumas teorias.

Os cientistas dizem que a água e a condutividade no magma podem ter um impacto crucial.

“Esperamos que nossos resultados melhorem nossa capacidade de interpretar os sinais de atividade sísmica”, disse Jacobsen.

E essa interpretação poderia resultar em uma capacidade maior para prever erupções devastadoras.